Tradução do ensaio de Charles Eisenstein para o Commom Dreams
A Amazônia é um dos lugares mais intensamente vivos da Terra. Não vou ocupa-lo com uma lista de seus serviços ecológicos, nem com seu papel em ancorar os padrões de chuva do planeta. Nem vou recitar as coisas horríveis que podem acontecer conosco, humanos, caso desapareçam.
Por que não vou? Simplesmente, porque ninguém pode amar, por ser amedrontado.
Catedral Verde – Floresta Amazonica/Wikimedia
Imagine se a Amazônia não fosse ecologicamente importante. Suponha que ficaríamos bem se a convertêssemos em uma gigantesca área de minas e extração de madeira. Suponha que possamos substituir seus serviços ecológicos por tecnologia. Suponha que possamos substituir suas funções de sequestro de carbono por máquinas sugadoras de carbono, seu papel na prevenção de inundações e secas com grandes programas de engenharia e seus alimentos e medicamentos por produtos químicos sintéticos. Suponha que possamos substituir sua beleza intensa por réplicas de alta resolução de tudo o que destruímos. Se pudéssemos, pergunto, iríamos querer?
Eu acho que os alarmistas da Amazônia estão certos em suas previsões, mas mesmo se eles estivessem errados, eu não seria menos ardente em meu desejo de proteger e curar a Amazônia. A maioria da população provavelmente acredita nos alarmes também; no entanto, a experiência da vida diária diz que eles não têm com o que se preocupar – até agora, a destruição da Amazônia não alterou visivelmente sua qualidade de vida. A Amazônia perdeu pelo menos meio milhão de quilômetros quadrados de floresta desde os anos 80. Como isso te prejudicou? Alguém poderia argumentar que isso realmente o tornou menos saudável, seguro ou próspero, mas, falando sério, quantas pessoas pensam que salvar a Amazônia ajudará no próximo pagamento de aluguel? Pelo contrário, a popularidade de Bolsonaro atesta a percepção de que liquidar sua riqueza natural ajudará no próximo pagamento do aluguel (aumentando o crescimento econômico).
As táticas de medo ambiental não estão funcionando. Advertências terríveis falharam em motivar uma desaceleração significativa da destruição da Amazônia; de fato, sob Bolsonaro, a destruição está se acelerando. Diante do fracasso das estratégias de comunicação atuais, poderíamos aumentar o alarme ou tentar algo radicalmente diferente. Poderíamos convidar nossa sociedade para um caso de amor com a vida.
A maioria das pessoas que lê isso nunca visitará a Amazônia, e é difícil amar algo abstrato. Os mais capazes de amar a Amazônia são seus companheiros mais íntimos: os povos indígenas daquele lugar, as culturas que vivem nele, e com ele, há milhares de anos. É por isso que a conservação e a cura da floresta tropical devem estar em diálogo íntimo com as pessoas que cuidam da terra. Eles mesmos entendem esse princípio; daí o conceito que os povos indígenas do Brasil usam para se descrever: “Cura Da Terra”.
“Para que serve um ser humano?” Não me lembro da resposta dele, mas só pode haver uma. Estamos aqui para servir a vida.
Europeus e norte-americanos como eu [o autor] podem nunca ter a chance de realmente se apaixonar pela Amazônia, mas isso não significa que não possamos entender esse amor. Podemos nos conectar a ele através dos lugares que amamos. Estou escrevendo este ensaio na fazenda de meu irmão, que ao longo dos anos se tornou tão profundamente familiar para mim que se gravou em minha mente e se tornou parte de quem eu sou. Isso me dá uma amostra do amor que uma cultura pode sentir por seu lugar quando esse relacionamento se desenvolve ao longo de gerações.
Lembro-me também de um local de infância, uma colina a poucos quarteirões da minha casa, o local onde a rua terminava e o caminho de terra começava. Quarenta anos depois, ainda consigo o ver quando fecho os olhos. O caminho, a linha das árvores, o pinheiro gigante, os arbustos de amora … eles vivem na minha memória, mas em nenhum outro lugar, arrasados há muito tempo atrás por mais gramados, estradas e casas. A dor de perda que sinto não tem nada a ver com o sequestro de carbono perdido daquela terra ou qualquer outra coisa que se possa medir. Por menor que seja comparado à perda da Amazônia, no entanto, sugere a enormidade e a natureza da perda que enfrentamos. Ela toca na mesma dor.
A origem desse sofrimento é o amor à vida, inato para todo ser humano. Wendell Berry perguntou: “Para que serve um ser humano?” Não me lembro da resposta dele, mas só pode haver uma. Estamos aqui para servir a vida. É isso que nosso amor inato pela vida confirma. Não somos o grande erro da natureza, como alguns ambientalistas pensam ao examinar a magnitude da destruição humana. Como todas as espécies, fomos criados com os dons necessários para a saúde e o desenvolvimento do todo. A civilização não cumpriu esse dever sagrado, mas certas culturas indígenas nos mostram sua possibilidade. Como Allan Savory observou, os ecossistemas danificados geralmente não conseguem se recuperar quando os seres humanos são totalmente removidos. Nossa melhor ação não é apenas deixar a natureza em paz e abandonar a Terra. É participar ativamente do florescimento da vida; para proteger a vida, sim, mas também para regenerar a vida e unir-se a sua próxima manifestação.
O professor peruano Arkan Lushwala fala de certas pessoas como “donas” de um lugar, uma floresta, um rio ou um tipo de animal ou planta. O que ele quer dizer é o oposto da ideia moderna de propriedade; é mais como o lugar ou espécie possuir essas pessoas. Eles são guardiões e cuidadores; eles são talvez até partes desses seres, seus órgãos humanos. O que vale para os indivíduos vale também para as culturas. Ser indígena significa ser do lugar, não apenas habitá-lo. Ser do lugar é fazer parte de sua família, ser casado com ela. E, como as famílias começam? O primeiro passo para recuperar nossa indigeneidade é voltar a se apaixonar pelo lugar.
O amor à vida é o guia e motivador da cura ecológica na Terra. Em seguida, vem aprender como colocar esse amor em ação. Como fazemos isso para o mais vivo de todos os lugares, a Amazônia? Partindo de nossos próprios fragmentos de amor, apoiamos aqueles que mais o amam; apoiamos sua família. Perguntamos o que eles precisam e como podemos apoiar a tutela deles, da mesma forma que gostaríamos de apoiar os nossos. Por um lado, isso pode significar apoiar organizações que trabalham em estreita colaboração com os povos indígenas de lá (veja a lista no final deste artigo). Por outro, significa ver como o mundo moderno continua a danificar a Amazônia e tudo o mais que é precioso. (Quero lembrar aqui também do Congo, a segunda maior floresta tropical do mundo, tão ameaçada quanto a Amazônia). Em particular, precisamos transformar o regime de dívida global que força a extração de recursos, pois países como Brasil, Equador, Bolívia e Peru, para gerar perpetuamente moeda forte exportando a floresta tropical para o pagamento da dívida. É tentador condenar um homem como Bolsonaro como mau, mas o sistema atual pede que alguém cumpra seu papel.
Os bancos, corporações e indivíduos que lucram com a destruição da Amazônia não desistirão, por avisarmos eles de todas as coisas ruins que acontecerão com eles mesmos. No mundo deles, coisas boas estão acontecendo para eles – eles estão ganhando dinheiro. À medida que avançamos no processo complexo de mudar o sistema que não apenas permite, mas incentiva, lucrar com o “ecocídio”, também precisamos encontrar maneiras de atrair algo além do interesse próprio. Lembre-se de que em todas essas instituições existem pessoas como você e eu que nascemos para servir a vida. Uma parte deles sabe disso, assim como você. É dessa parte que surge a coragem.
O amor à vida é o guia e motivador da cura ecológica na Terra. Em seguida, vem aprender como colocar esse amor em ação.
Os apelos ao interesse próprio não impedirão, por si só, a hemorragia na Amazônia. Também devemos invocar nosso amor pela vida e o objetivo do serviço que ela aponta. Ao fazer isso, nos aliamos àqueles que amam a vida da Amazônia com mais carinho, intimidade e habilidade, que mantiveram esses caminhos e esse propósito nas aparentes margens da civilização. Após séculos de colonização e “desenvolvimento” (tentando torná-los mais parecidos conosco), talvez seja hora de os povos indígenas nos desenvolverem; isto é, desenvolver nossa capacidade de se juntar a eles na cura da Terra.
Organizações que trabalham pelos direitos indígenas e / ou direitos à terra:
Forest People’s Alliance
Você pode acompanhar a conversa no #CuraDaTerra nas mídias sociais.
Tradução repostada do site humanodivino.com.br
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