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Vida e Morte: será que há vida após a morte? Talvez!

A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo. É o mesmo de sempre. ‎Há continuidade absoluta e ininterrupta. ‎ Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho […] ” (Death Is Nothing At All by Henry Scott Holland – ‎trecho baseado em um sermão pregado na Catedral de São Paulo, Londres, após a morte do rei Eduardo VII‎)

Uma matéria no jornal The Guardian captou minha atenção. Era sobre uma nova série da Netflix intitulada “Surviving Death – Vida após a Morte”. Esta é uma série/documentário baseada no livro da jornalista investigativa Leslie Kean, que explora histórias pessoais e pesquisas sobre experiências de quase morte, reencarnação e fenômenos paranormais. Como uma estudiosa da morte e do morrer, fiquei curiosa e decidi assistir.

Pude observar ao longo de seis episódios, de aproximadamente uma hora de duração, que a série explora e analisa, por meio de experimentos e da fala de cientistas, acadêmicos, jornalistas, médiuns, religiosos, pacientes, pessoas enlutadas e pessoas da comunidade, sinais e evidências de que há algo para experimentar além do nosso último suspiro.‎ O diretor Rick Stern, por meio dos episódios, construiu uma série muito convincente e reflexiva de que nossa consciência pode continuar existindo além da vida como a conhecemos.

Além dos relatos descritos na série há uma série de outros que nos faz pensar que há uma possibilidade da nossa consciência permanecer inalterada após a morte, como por exemplo, a experiência da cantora e compositora americana Pam Reynolds que vivenciou uma experiência de quase morte (EQM) durante uma cirurgia para operar um aneurisma. No século 19, o geólogo suíço Albert Heim promoveu um dos primeiros esforços da era científica para sistematizar relatos de quase morte. Ele, que também era montanhista, experenciou pessoalmente uma EQM, em 1871, ao sofrer um acidente durante uma escalada. Ao lembrar-se do acontecido, relatou uma grande expansão de sentidos durante a queda, como se ouvisse e enxergasse muito melhor, além da sensação de que o tempo passava devagar e surgia uma “profunda aceitação” da morte iminente.

O trabalho de Heim inspirou outros profissionais da comunidade científica. Nos anos 2000, o Dr. Pim van Lommel, Divisão de Cardiologia do Hospital Rijnstate – Holanda, conduziu uma pesquisa com pessoas que relataram uma EQM após uma crise cardíaca que colocava a vida em risco. Em um estudo prospectivo, foram incluídos 344 pacientes cardíacos que foram ressuscitados com sucesso após parada cardíaca em dez hospitais holandeses. Destes, 62 pacientes (18%) relataram EQM, dos quais 41 (12%) descreveu uma experiência central, incluindo consciência de ter morrido, observação do próprio corpo de um ponto externo, visão de túneis ou luzes e encontros com pessoas falecidas. A ocorrência da experiência não foi associada com a duração da parada cardíaca ou inconsciência, medicação ou medo da morte antes da parada cardíaca.

Da mesma forma e para além dos muros da academia científica, também temos várias perspectivas de cunho religioso que sustentam a ideia de que há uma vida após a morte. Na série, mais precisamente nos episódios 2 e 3, a perspectiva do espiritismo é explorada com muito cuidado e respeito. Os espíritas creem na imortalidade da alma, a possibilidade de nos comunicarmos com os mortos e reencarnação. Para os adeptos dessa doutrina religiosa a morte é uma transformação e não um ponto final, não é o fim. Assim como para outras doutrinas e filosofias religiosas, a alma é imortal. Os cristãos creem na imortalidade da alma e na ressureição. Os judeus creem que a alma sobrevive à morte. Para os budistas, depois da morte, o espírito volta ao plano terreno habitando outros corpos, ascendendo ou descendendo na escala dos seres vivos. A crença dos muçulmanos também se baseia na ressureição. Para o candomblé, religião brasileira de matriz africana, a morte é encarada como uma passagem para outra dimensão, onde espíritos, guias e orixás ficam juntos. Como podemos inferir, as diferentes doutrinas e filosofias religiosas promovem distintas explicações sobre o pós morte, baseadas naquilo que pregam. Crer em cada uma delas depende da fé de cada um.

Com efeito, é aqui que reside o ponto fundamental desse post. Não importa qual crença você professe, se você acredita na vida após a morte ou não. O que realmente importa é que você pratique a tolerância religiosa e o respeito à diversidade. A espiritualidade e/ou religiosidade são dos aspectos mais importantes de uma cultura, e reprimi-la, seja pela falta de conhecimento, seja pelo preconceito, não deve ser uma atitude tolerada em nenhum lugar, muito menos nas áreas que envolvam profissionais da saúde, áreas estas que assistem pessoas com enfermidades gravíssimas que podem ter como último recurso de conforto a expressão de sua crença. O mesmo se aplica ao trabalho com pessoas enlutadas que, muitas vezes, encontram na fé um significado para a dor de perder alguém que se ama. Na minha lida diária com pessoas em processo de luto eu procuro ter uma atitude de compreensão e validação do código de crenças professada por aquela pessoa, e surpreendentemente eu sempre aprendo algo novo.

Neste sentido, a atitude de todos que convivem em sociedade deve ser de empatia e acolhimento, jamais de julgamento. É preciso, acima de tudo, compreender que não há nada de errado com o diferente daquilo que você tomou para si como crença e fé. Cada indivíduo tem o direito de decidir por si mesmo e professar a crença que lhe traga um sentido, um significado, para uma da questões mais complexas da existência humana: a morte.

Concordo com Soares (1986), que disse que a morte é um dos temas mais difíceis de tratar, dada a sua complexidade e a ambivalência dos nossos sentimentos acerca dela. No entanto, eu acrescentaria que falar sobre a crença que envolve o pós morte também é complexo, cheio de ambivalência, de incertezas e de contradições. Contudo, ao mesmo tempo, se faz necessário abrirmos as portas das reuniões familiares, da academia científica, das instituições hospitalares, das instituições religiosas e demais seguimentos da sociedade para que as pessoas possam se sentir confortáveis para falarem sobre esse tema, de uma forma confiável, respeitosa e acolhedora.

Texto retirado do site http://www.perdaseluto.com

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